Aml Ameen

Quais as dificuldades em ser cisgênero?

Cissexual ou cisgênero são termos utilizados para se referir às pessoas cujo gênero é o mesmo que o designado em seu nascimento. Isto é, configura uma concordância entre a identidade de gênero e o sexo biológico de um indivíduo e o seu comportamento ou papel considerado socialmente aceito para esse sexo.

Precisei adicionar esse termo ao dicionário no meu arquivo Word, pois ele ainda não era reconhecido, o que me espantou um pouco, confesso! Uma grande porcentagem da população é cisgênera e não possui a ciência disso. A comunidade LGBT é tão deslocada na nossa sociedade diante de tamanho conservadorismo que vira e meche ouvimos questionamentos sobre como é ser gay, lésbica, trans ou bi, como é o estilo de vida de uma pessoa que precisa enfrentar todos os dias os olhares de desaprovação de terceiros apenas por ser você mesmo, quais são as dificuldades em tentar se afirmar como ser humano e, por isso, também lutar pelos seus direitos.

Recentemente o elenco da série Sense8 (uma excelente e brilhante roteiro e fotografia) esteve aqui no Brasil e concederam entrevistas para alguns youtubers e canais de comunicação brasileiros. Em 4 minutos e 33 segundos de conversa publicada com Alfonso Herrera (nosso eterno Miguel de RBD que interpreta o homossexual Hernando), Aml Ameen (ator britânico que interpreta o queniano Capheus) e a maravilhosa Jamie Clayton (atriz que interpreta Nomi, uma hacker politicista transgênera), eis que o “Canal das Bee” faz a seguinte pergunta para os meninos que ali estavam: Como é ser um ator cisgênero?

Percebe-se que os atores não reconhecem bem o termo e após uma breve e sucinta explicação respondem que ainda estão tentando entender como são os corpos que lhes foram “designados em seu nascimento”, tendo em vista que ambos são cisgêneros e possuem a “concordância entre identidade de gênero, sexo biológico e comportamento social culturalmente imposto a este”.

Segue abaixo a entrevista, e logo depois um lista de “privilégios” dotados aos cisgêneros.

Uma lista de “privilégios” da pessoa cisgênera
São, na verdade, coisas absolutamente triviais e comuns que, entretanto, são ostensivamente dificultadas ou negadas às pessoas transgêneras em razão da sua identidade de gênero 

1. Minha identidade de gênero pode ser facilmente deduzida a partir da minha simples aparência física.

2. Nunca tive que me incomodar se eu estou “passando” satisfatoriamente para os outros como membro do meu próprio gênero.

3. Para todos os efeitos legais, sociais, políticos, econômicos e até afetivos, sei que pertenço ao gênero que todo mundo acredita que eu pertenço.

4. Nunca fui obrigado a me comportar de maneira contrária ao gênero ao qual pertenço e com o qual eu me identifico plenamente.

5. Nunca tive que mentir sobre quem eu realmente sou nem ocultar meu gênero de todo mundo, como se fosse um verdadeiro “segredo de Estado”.

6. Em criança, me permitiram e até me estimularam a brincar com crianças do meu próprio gênero. Até hoje ninguém nunca me impediu de me socializar com pessoas do meu próprio gênero.

7. Não tenho que me preocupar que minha família ou meus amigos descubram minha identidade de gênero e, em função disso, me imponham pesadas restrições sociais, emocionais e até econômicas.

8. É totalmente improvável que eu seja afastado do convívio com minha família, isolado dos meus amigos, separado dos meus filhos, dispensado do meu emprego, desalojado da minha casa, ou que receba assistência médica de qualidade inferior, sofra abuso ou violência sexual, seja ridicularizado pelos meios de comunicação ou humilhado e repudiado por organizações religiosas simplesmente por assumir meu gênero publicamente.

9. Nunca tive que me preocupar com pessoas que sempre disseram me amar se transformando em pessoas completamente iradas e violentas por causa do meu gênero.

10. Meu sono infantil jamais foi perturbado com desesperadas orações à divindade para que no outro dia eu acordasse no sexo oposto ao meu.

11. Na minha adolescência não tive que pensar que o meu corpo estava se transformando em algo que eu não definitivamente não queria.

12. Nunca me importunou a ideia de ter perdido boa parte da minha vida vivendo no gênero errado.

13. Nunca tive meu ingresso barrado em lugar nenhum por causa do meu gênero.

14. Quando eu vou à praia ou à academia posso circular livremente e até usar os chuveiros do vestiário sem que ninguém me considere um ET.

15. Se eu estiver em um local separado por sexos, sempre estarei cercado por pessoas do meu próprio gênero.

16. Nunca fui obrigado “a me segurar”, quando havia banheiros públicos disponíveis e desocupados no momento. De fato, nunca tive que me preocupar com a separação dos banheiros públicos por sexo.

17. Se eu for preso, tenho certeza de que serei encaminhado para a ala adequada ao meu gênero.

18. Como membro de uma igreja ou outra organização religiosa, não tenho que me preocupar com a repercussão do meu gênero em outros membros da congregação, como não tenho que temer as conseqüências da vida após a morte por estar ferindo alguma norma divina.

19. É improvável que alguém me pergunte sobre meus genitais ou queira saber coisas a respeito das minhas características sexuais secundárias, ou me pedir para vê-las como seu eu fosse atração de circo.

20. É improvável que eu tenha que arriscar minha saúde me auto medicando, com medo de me expor a um médico e ser desqualificado, ridicularizado ou ter meu atendimento negado em função do meu gênero.

21. Nunca precisei ocultar partes do meu corpo usando ataduras, cintas de compressão ou recolhendo-as entre as pernas.

22. É improvável que eu venha a sentir a necessidade de mudar de voz.

23. Eu não tenho que passar horas e horas da minha vida em um terapeuta que no final vai me dizer apenas o que eu sempre soube a vida inteira.

24. Se eu for fisicamente saudável jamais terei que pensar em fazer coisas como reposição hormonal, cirurgia de redesignação facial ou de reaparelhamento genital.

25. Se eventualmente eu for parar numa emergência médica, não tenho que me preocupar que o meu gênero pode me impedir de receber assistência médica adequada nem que os sintomas que eu apresentar sejam vistos como produto do meu gênero (seu nariz está escorrendo e sua garganta está irritada? Deve ser por causa dos hormônios que você toma…)

26. Se eu tiver uma doença diagnosticada por um médico, é improvável que meu plano de saúde me negue cobertura em função do meu gênero.

27. Não tive que passar anos me reprimindo ao ponto de questionar minha própria sanidade mental em virtude de me sentir completamente desconfortável no gênero que a sociedade me atribuiu ao nascer.

28. Nunca tive medo de ter um colapso nervoso em função da minha identidade de gênero e, em função dele, precisasse iniciar um longo, penoso, incerto e altamente dispendioso processo, numa tentativa desesperada de fazer o meu corpo entrar em acordo com o meu gênero.

29. Quando eu converso a respeito de assuntos de gênero, jamais sou acusado de estar querendo fazer a cabeça das outras pessoas para que elas me aceitem.

30. Ninguém acha que eu sou doente mental ou inconveniente por querer expressar meu gênero em todos os lugares que eu freqüento.

31. Jamais tive que defender minha identidade de gênero contra a opinião de ninguém.

32. Nunca fui solicitado a pensar a respeito de por quê eu tenho a identidade de gênero que eu tenho; ninguém me pergunta nem pede para eu justificar porque escolhi essa identidade de gênero.

33. Todo mundo usa o pronome adequado quando se dirige a mim. Ninguém teima em me chamar por um nome diferente daquele que corresponde ao meu gênero.

34. Nunca desejei mudar de sexo. Meu corpo sempre foi do sexo que ele é desde que eu nasci.

35. Minha feminilidade/masculinidade jamais foi posta em dúvida em função do meu corpo.

36. Nunca me senti como se fosse um impostor dentro do meu próprio corpo.

37. Minha eficiência profissional não é posta em cheque em função das escolhas que eu fiz em relação ao meu corpo.

38. Tenho total liberdade para usar as roupas do meu próprio gênero.

39. Posso encontrar facilmente um parceiro que aceite a minha identidade de gênero.

40. Posso ficar em companhia de pessoas do meu próprio gênero o tempo que eu quiser, sem nenhum problema.

41. Se eu me casar, posso conservar meus amigos do meu próprio gênero, e se eu ficar solteiro, e um amigo do meu gênero se casar, posso frequentar a casa deles sem nenhum constrangimento.

42. Meu comportamento individual não incomoda pessoas cisgêneras. Não fico embaraçado quando uma pessoa cisgênera faz algo maluco, nem questiono a sanidade mental de todas as pessoas cisgêneras que existem no mundo em função desse único caso isolado.

43. Nunca fui chamado a responder por todas as pessoas cisgêneras do mundo.

44. Eu tenho mais chances de atingir a velhice sem ter que me tirar minha própria vida.

45. No meu funeral, muito provavelmente minha família atenderá meu pedido para ser apresentado com as roupas que eu mais gostei de usar em vida.

46. No meu trabalho, pessoas transgêneras seriam as últimas a serem contratadas e as primeiras a serem demitidas. Se chegassem a ser contratadas, dificilmente seriam aceitas pelos demais funcionários, como teriam o mais baixo status no quadro de pessoal.

47. Nunca deixaram de me contratar para um determinado serviço ou posto-de-trabalho em razão da minha identidade de gênero.

48. Não me afeta em absoluto a opinião da sociedade a respeito de pessoas transgêneras.

49. Os outros não me usam como bode expiatório para suas próprias questões de gênero não-resolvidas.

50. Não tenho que pensar na minha identidade de gênero nem nos meus papéis de gênero todo santo dia. Tenho o privilégio de não saber que eu tenho privilégios.

51. De fato, tenho o privilégio de viver sem ter que tomar conhecimento de todos os privilégios que tenho como uma pessoa cisgênera.

Fonte: Letícia Lanz

étreintes,
Bruce Lourenço